(Belo Horizonte/MG, 22/8/1948 ---------- Rio de Janeiro/RJ, 14/3/1988)
O compositor e violonista Francisco Mário era filho de Henrique José de Souza e Maria da Conceição, a Dona Maria, que ficou conhecida através das cartas do Henfil no “Pasquim” e na “Isto É”. Tinha sete irmãos: Betinho, Henfil, Glorinha, Filó, Wanda, Tanda e Ziláh.
Chico Mário, como era carinhosamente chamado, estudou violão, economia, pós-graduação em engenharia de sistemas na COPPE, foi jornalista no Estado de São Paulo e crítico musical na revista “Realidade”. Desde cinco anos de idade, Chico mostrava interesse musical tocando bongô, atabaque e violão, contando com o incentivo de seu irmão Betinho, que reunia com sua turma e ouvia Bach, Thaikovski, Choppin. Outra grande responsável pela sua formação musical, foi a hemofília, doença que o obrigava a ficar deitado tocando horas e horas o violão.
O Tio Geraldo foi de Bocaiúva, norte de Minas Gerais, para Belo Horizonte e ensinou Chico Mário a tocar viola. Um dia apareceu o Bernard, violonista fantástico que morreu no dia em que iria dar a primeira aula de Chico Mário, ficou um desafio no ar para o jovem violonista.
Em 1965 participou em belo Horizonte da JEC (Juventude Estudantil Católica) como membro da direção regional. Neste encontros de jovens “O violão de Chiquinho” fazia parte nas horas de meditação e muitas vezes das missas Gregorianas dos freis Dominicanos. Em 1966 já em São Paulo, Chico Mário entrou para o movimento estudantil secundarista (União Brasileira dos Estudantes). Das pichações dos muros da Rua da Consolação, correr em zigue-zague das balas da repressão até chegar na Rua Maria Antonia e abrigar-se na USP pulando muros. Depois dando apoio aos operários grevistas no ABC. Ele contava que até se esquecia que era hemofílico na luta para mudar o país.
Em 1967 com 19 anos já casado, ainda em São Paulo, dava aulas para sobreviver e ao mesmo tempo estudava se formando em Economia e Análise de Sistemas. Estudou violão com o professor Henrique Pinto, criou o método de música em cores para crianças, aplicando técnicas dramáticas e músicas folclóricas brasileiras, sendo utilizado em várias escolas de São Paulo e em cursos para professores. Escreveu várias hidstórias para a revista “Recreio”, da editora Abril como: “Tonho, o elefante”, “O gigante da lagoa preta”, “O leão fominha”, “A pulga do realejo”, entre outras. Foi consultor da Escola de Comunicação e artes da Universidade de São Paulo (USP), trabalho realizado com o professor Oswaldo Sangiorgi. Fez o curso de dinâmica de grupo com o professor lauro de Oliveira Lima, adaptando para seu curso de violão.
Em 1978, foi viver no Rio de Janeiro, onde as possibilidades para carreira de músico eram bem melhores na época. Não demorou para entrosar-se no ambiente carioca, começando a tocar, chamando atenção para o seu talento. Nesse mesmo tempo estudou arranjos e teoria com o professor Roberto Gnattali, responsável pelos arranjos do seu primeiro show “Ouro Preto” realizado no parque Laje e na UFRJ, ao lado de músicos como Marcos Ariel,(flauta), Henrique Drach (cello), Alberto Gabeira (baixo), Maria Antônia (flauta) e Marcos Dantas (percussão).
Dedicado, corajoso e idealista, em 1979 gravou seu primeiro disco “Terra”, lançado também no México e elogiado por Carlos Drummond de Andrade. Com capa de Noguchi, o disco conta com participações de Joyce, Quarteto em Cy, Antonio Adolfo, Airton Barbosa, Chiquinho do Acordeon, entre outros. Um disco bem mineiro, que fala das montanhas de Minas. Em maio deste ano, como vice-presidente da APID (Associação dos Produtores de Discos Independentes),, participou do encontro de produção cultural alternativa de discos independentes em Curitiba onde constatou que embora fizesse parte da primeira fornada de produtores, eram ainda minoria, já que os discos sertanejos eram cinco vezes maiores que a MPB. A exposição dos discos de Antonio Adolfo, Danilo Caymmi, Luli e Lucinda, Francisco Mário, os pioneiros do disco independente, representavam neste encontro como bandeiras para músicos e compositores e intérpretes que não conseguiam entrar no mercado. Em julho participou do ótimo e necessário para nossa cultura “Festival de Inverno de Ouro Preto” na sua 12° edição.
Em 1980 Francisco Mário entra no estúdio para gravar o disco “Revolta dos Palhaços”, com ajuda de 200 pessoas que compraram o disco antes de ficar pronto. Chico dizia: “Com este disco denuncio a ilusão montada para ver a nossa realidade subdesenvolvida de país de terceiro mundo e que até poderia chocar as pessoas que estavam sonhando e não queriam acordar, preferindo acreditar na falsa realidade recriada a cada dia.” No encarte, uma grande lona de circo assinada pelo cartunista Nani em que os co-produtores assinavam, compravam e apoiavam a idéia do disco independente. Com parcerias de poetas como Aldir Blanc e Paulo Emílio, Fernando Rios, o jornalista Tárik de Souza ,o ator Guarnieri, e participações especiais de Ivan Lins, MPB4, Lucinha Lins, Boca Livre, Mauro Senise, Luiz Claudio Ramos, Danilo Caymmi, Djalma Correa, entre outros. E com capa do irmão Henfil, estava formado o maior espetáculo da terra, o disco “Revolta dos Palhaços”.
Em 1981 recebeu um convite para participar do 5° Festival de Oposicion no México. Pela primeira vez, Chico saiu do Brasil e foi mostrar sua música para o mundo, tendo como resultado o lançamento do seu primeiro disco "Terra" no México pela gravadora Foton e uma estadia de duas semanas em Miami de graça, já que quando o dono do hotel descobriu que tinha músicos brasileiros em seu hotel, os fez tocar até seis da manhã, e na hora de pagar a conta não aceitou. No Festival que contou com a participação de músicos do mundo todo e um público de 15 mil pessoas, Francisco Mário, Djalma Correa e Henrique Drach foram aplaudidos com palmas e pés, tendo que voltar sete vezes ao palco para bis.
Neste mesmo ano, gravou um disco com Francisco Julião que acabara de chegar do exílio, “Versos e Viola”, vetado pela censura na época. Ficando impressionado com a receptividade mexicana de seus chorinhos e baiões que tocaram no bis do show no México, Chico ao chegar no Brasil, resolveu gravar o seu primeiro disco instrumental “Conversa de Cordas, Palhetas e Metais”, que foi eleito o melhor disco de música instrumental do ano de 1983, recebendo o troféu “Chiquinha Gonzaga”. Junto com o disco foi lançado também um livro de poemas “Painel Brasileiro”. Com a capa de Elifas Andreato, foto do Fernando Carvalho e a participação de feras como Rafael Rabello, Nivaldo Ornelas, Zeca Assumpção, Antonio Adolfo e Afonso Machado, Chico comprou mais uma briga de se impor no mercado e abrir espaço para música instrumental no seu terreno dee origem, já que lá fora a aceitação foi comprovada. Neste mesmo ano, começou a estudar teoria com o professor Adamo, indicado pelo mestre Ian Guest.
Em 1984, ganhou o 1° prêmio no Festival de Ouro Preto com a música ainda inédita “São Paulo” e, em 1986, com a mesma música, ganhou o prêmio de melhor arranjo no Festivais dos Festivais de Minas. Buscando parceria com a revista Cadernos do Terceiro Mundo, Chico e Nívia, sua esposa, iniciam um projeto de produção independente dos melhores músicos brasileiros. O primeiro e único foi o disco de Radamés Gnattalli, “Retratos”, em piano solo.
Enfrentando todo tipo de obstáculos, conseguiu impor-se e lançou mais um disco instrumental em 1985, “Pijama de Seda”, nome de uma das músicas, dedicada a Pixinguinha, além desta, outra música, considerada uma das mais bonitas, “Ressurreição”, em homenagem ao seu irmão Henfil, com oito violões tocados por Chico. Todas as músicas, arranjos, flauta de pã, e até oito violões superpostos são de Francisco Mário. Com a capa de Noguchi, o disco foi lançado na Sala Cecília Meireles no dia 30 de setembro de 1985.
Em 1986, lançou o disco “Retratos”, buscando nas fontes brasileiras a essência de sua música, voltando a misturar ritmos onde homenageia desde João Gilberto até os Índios Pankararés. No lado A, o norte bucólico e fatalista e no lado B o sul progresso e da malandragem. Do urbano ao rural, dando uma geral na música brasileira, com toques de boa vizinhança como na música “Cuba” dedicada a Silvio Rodrigues e Pablo Milanês, o disco conta com a lindíssima capa e pintura de Lobianco. Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Waldir Azevedo, Baden Powell, foram citados nesta obra de Francisco Mário.
Em novembro deste mesmo ano, Chico Mário fez seu último show, apresentando suas músicas novas do projeto “Suite Brasil”, na Catacumba, projeto que fez sucesso promovido pela Rioarte. No mês seguinte com uma pneumonia, ficou sabendo que contraira o vírus da AIDS, contaminado pela transfusão de sangue. Depois que saiu do hospital no início de 1987, foi para a Fazenda da Serra em Itatiaia com a família e compôs suas três últimas obras: “Dança do Mar”, “Suíte Brasil” e “Tempo”.
Em outubro de 1987 entrou no estúdio Sonoviso e transformou suas últimas obras em disco. “Dança do Mar”, sete movimentos que refletem as mudanças da natureza e das estações. Um disco erudito com cada movimento passado no mar, Verão, Outono, Inverno, Primavera, Calmaria, Amanhecer e Tempestade. Em cada faixa, duas interpretações, Quarteto de cordas Bosísio e o violão de Chico com convidados. Suite Brasil, um olhar musical na História do Brasil. Cada movimento um marco na história do Brasil, desde o descobrimento até as eleições diretas. E o disco inédito Tempo, uma homenagem a Charlie Chaplin, que contém a música “São Paulo”, ganhadora do festival de inverno de Ouro Preto e melhor arranjo do Festival dos Festivais de Minas Gerais.
Em dezembro de 1987 foi realizado no Rio, um dos mais bonitos shows de todos os tempos. Com a finalidade de ajudar no tratamento de Chico Mário, mais de trinta artistas subiram no palco do Teatro João Caetano, entre eles, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gonzaguinha, Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola, Emilio Santiago, Joyce, Claudio Nucci, Fagner, Aldir Blan, Elton Medeiros e Aldir Blanc.
Em fevereiro de 1988 foi a vez dos mineiros no show com a mesma finalidade no teatro Cabaré Mineiro, com Beto Guedes, Paulinho Pedra Azul, Gilvan de Oliveira, Tadeu Franco, Rubinho do Vale, entre outros.
Francisco Mário tinha material inédito para três discos, quando faleceu em 14 de março de 1988. Depois de sua morte, sua esposa e produtora Nívia Souza, suas filhas Ana e Karina e seu filho mais velho, Marcos Souza, lançaram os álbuns póstumos em vinil “Dança do Mar” na sala Cecília Meireles em 1988 com as participações de Rafael Rabello, Antonio Adolfo, Mauro Senise e Rique Pantoja, David Chew, Galo Preto e apresentação do ator Tony Ramos. O Disco Suite Brasil foi lançado em 1992 ccom Marcos Souza no Centro Cultural Banco do Brasil.
Em 1995 foi lançado pela falecida gravadora Caju Music três discos em CDs de Francisco Mário. “Conversa de Cordas, couros, palhetas e metais”, “Pijama de seda” e “Retratos”. Além do lançamento nacional, foi lançado também pela gravadora Fantasy nos EUA. Mas a gravadora faliu, deu calote em todos, inclusive sobre a venda nos EUA. Ainda encontra estes CDs em algumas lojas e em estoque com o filho Marcos Souza. Em 1997 foi lançado em CD os discos “Terra” e “Dança do Mar” junto com a exposiçãoo realizada no Museu de Imagem e do Som no Rio de Janeiro e no Crav em Belo Horizonte. Em 1998 foi realizado o projeto “Francisco Mário - 50 anos”, um evento que contou com uma exposição, video, teatro, shows e leitura de poemas.
Em 1999 foi lançado o CD “Marionetes” produzido por Marcos Souza, uma homenagem na voz da cantora Regina Spósito, recolhendo a obra dos primeiros discos “Terra” e “Revolta dos Palhaços. No mesmo ano foi lançado o disco “Suite Brasil” pela coleção Funarte, Itaú cultural e Atração.
Chico escreveu 3 livros: Ressurreição, livro que escreveu quando estava internado no hospital do Fundão em, 1987. Como fazer um disco independente, contando todos os passos para fazer um disco caseiro pela editora Vozes. E o livro de poemas, Painel Brasileiro.
Francisco Mário deixou muita música, muita luta, muita esperança, muitas críticas, 3 filhos (Marcos Souza, Ana e Karina), a companheira e produtora Nívia Souza e muito humor.
Fonte: Atelier Cultural.
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