terça-feira, 27 de novembro de 2012

Noel Rosa

(Rio de Janeiro, RJ,  11/12/1910  ******* Rio de Janeiro, RJ, 4/5/1937)

Noel de Medeiros Rosa, conhecido como Noel Rosa, nasceu em 11 de dezembro de 1910, num humilde chalé no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro.

Nasceu sofrendo muito: o parto, difícil, a fórceps, causou a fratura de um osso da mandíbula. Em consequência, adquiriu um defeito físico no queixo, no lado direito do rosto, e muita dificuldade para mastigar. Quatro anos depois nasceu o seu único irmão, Hélio.

Noel Rosa aprendeu bandolim com a mãe, Martha, e foi introduzido ao violão pelo pai, Manuel de Medeiros Rosa. Mas se tornou mesmo autodidata. Suas primeiras experiências criativas foram paródias pornográficas, feitas no tempo do Colégio São Bento, sobre melodias de canções conhecidas na época. Adolescente, não tardou a começar a frequentar bordéis e pensões de mulheres. e viver na boemia. Usava o violão do pai, até que ganhou um, de um tio.

Tinha amor pelas madrugadas e trocava sempre o dia pela noite. Sol, ele detestava mesmo. Não foi à toa que escreveu os versos de "Feitiço da Vila".

Noel Rosa era tímido e recatado, tinha vergonha da marca que trazia no rosto, evitava comer em público por causa do defeito e só relaxava bebendo ou compondo. Sem dinheiro, vivia às custas de poucos trocados que recebia de suas composições e do auxílio de sua mãe. Mas tudo que ganhava era gasto com a boemia, com as mulheres e com a bebida.

Em 1927, voltava de uma noitada, quando encontrou sua avó paterna enforcada no quintal de sua casa; tinha se matado, repetindo o gesto de um bisavô de Noel. Foi naquele ano que ele iniciou namoro com uma vizinha, Clara, relação que veio a durar sete anos.

Mais ligado na música que nos estudos, Noel Rosa era na escola um aluno irreverente com os professores. Em Vila Isabel - celeiro de músicos - participava de serenatas e logo ficou conhecido como bom acompanhante ao violão. Em 1929, um grupo amador de jovens músicos, a maioria da Tijuca, o procurou: Almirante, Braguinha (que adotará o pseudônimo João de Barro), Henrique Brito e Alvinho. Com eles, formou o Bando de Tangarás.

O repertório do conjunto se compôs de cantigas de inspiração nordestina, de acordo com a moda do momento. Noel seguiu por essa trilha em suas primeiras composições, a toada "Festa no Céu" e a embolada "Minha Viola". Em 1929, ele as gravou, estreando em disco como solista. No Bando, não tinha destaque como cantor e compositor. Mas suas primeiras apresentações em público - em festas em casas, teatros e clubes - aconteceram com os Tangarás.

Contam alguns que os colegas de Noel Rosa no Bando de Tangarás gostavam dos ambientes grã-finos e bem-comportados. Ele, ao contrário, preferia os mais simples e se sentia especialmente bem na companhia de desocupados, quando não marginalizados. A turma de Noel não eram apenas os compositores de classe média, brancos como ele, mas também o pessoal do morro. E ele tinha seus casos amorosos com mulheres dos subúrbios, que preferia aos bairros de classe média.

Magro e debilitado desde muito cedo, dona Marta vivia preocupada com o filho, pedindo-lhe que não se demorasse na rua e que voltasse cedo para casa. Sabendo, certa vez, que Noel iria à uma festa em um sábado, escondeu todas as suas roupas. Quando seus amigos chegaram para apanhá-lo, Noel grita, de seu quarto: "Com que roupa?" - no mesmo instante a inspiração para seu primeiro grande sucesso, gravado para o carnaval de 1931, onde vendeu 15000 discos!. Essa música inaugura um estilo novo e singular, elaborado e comunicativo, de fazer samba. Ao mesmo tempo, é recebida entre intelectuais como uma expressão da condição do povo carioca e brasileiro. E estoura no carnaval de 1931, para o qual Noel teve mais sete composições gravadas. Data dessa fase a gravação também da sua primeira parceria com Lamartine Babo, a marcha nonsense "A.B.Surdo".

Aquele foi o único ano em que o compositor teve músicas aproveitadas no teatro de revista. Uma das peças, "Café com Música", destacando a cantora Aracy Cortes, incluiu oito criações suas, entre as quais duas obras-primas que ele próprio gravaria: "Gago Apaixonado" e "Quem Dá Mais". A primeira se transformou em número obrigatório nas suas apresentações. Foi lançada em 31, ano em que saíram ainda "Eu Vou pra Vila" e "Cordiais Saudações", ambas com o Bando de Tangarás - a primeira na voz de Almirante, a segunda na de Noel.

Aprovado no vestibular, Noel se matriculou na faculdade de Medicina em abril daquele ano. Não chegou, porém, a terminar nem o primeiro semestre do curso. Este pelo menos lhe rendeu a inspiração de um grande samba, "Coração".

Por esse período, ele intensificou suas relações com os morros, aonde passou a ir com frequência, aprendendo, ficando amigo e parceiro dos sambistas locais. Como Cartola, de Mangueira, por exemplo. Na cidade, a amizade que se estreitou foi com Lamartine Babo. Os dois viraram companheiros de farras. Além disso, compuseram mais uma marcha juntos: "A.E.I.O.U.", para o carnaval do ano seguinte.

Em 1932, Noel Rosa comprou um Chevrolet de Francisco Alves, então o maior nome da música popular do país, e lhe deu o nome de Pavão. O cantor era um conhecido comprador (um "comprositor") de canções alheias, daí ele e o compositor terem combinado um pagamento em sambas.

Noel já iniciara seu trabalho com Ismael Silva, sambista do Estácio que se tornaria o seu parceiro mais constante. Ismael tinha um trato com Chico Alves, pelo qual este levava crédito em tudo que compunha. A combinação se estendeu à dupla Noel-Ismael, cujos sambas também receberam a assinatura de Chico, a começar por "Adeus", de 1931, e "Para Me Livrar do Mal" e "A Razão Dá-se a Quem Tem", de 1932. Chico lançou os três, o terceiro em duo com Mário Reis.

O ano de 1932 foi o de maior produção na carreira de Noel: mais de quarenta composições. Ficou marcado também por importantes gravações. Ele próprio registrou, sozinho, "São Coisas Nossas", "Quem Dá Mais" e "Coração". E, com Ismael, "Seu Jacinto" e "Quem Não Dança". Chico e Mário voltaram a gravar em dupla: "Fita Amarela". E João Petra de Barros lançou outro clássico: "Até Amanhã".

Em abril, Noel fez com Chico e Mário uma bem-sucedida turnê pelo Rio Grande do Sul. E em agosto, uma temporada num cine-teatro da Cinelândia, no Rio, com Chico, Almirante e Carmen Miranda; mais da metade do repertório do show era de sua autoria.

Em 1933, ele gravou os sambas "Onde Está a Honestidade?" e, composto com Orestes Barbosa, "Positivismo", que solidificou uma amizade nutrida em encontros no Café Nice, no centro do Rio, um point da boemia da época.

Foi também nessa fase que ele conheceu o pianista paulista Vadico, no estúdio da Odeon. Os dois iniciaram de imediato uma parceria que veio a ser tão produtiva (onze músicas) quanto inventiva (várias delas antológicas). Naquele ano, por exemplo, rendeu "Feitio de Oração" e "Não Tem Tradução", ambas gravadas por Francisco Alves - a primeira, com Castro Barbosa.

Ainda em 1933, foram lançados, por Mário Reis, "Quando o Samba Acabou" e "Filosofia" (parceria com André Filho), e por Almirante, "O Orvalho Vem Caindo". Todos clássicos.

No início de 1934, Noel Rosa compôs "Rapaz Folgado", uma resposta a "Lenço no Pescoço", do então jovem sambista Wilson Batista. Começou assim uma polêmica que se tornaria célebre e que renderia uma série de sambas. Em sua música, Noel, estranhamente, criticava o malandro cantado por Wilson - logo ele, um apologista da malandragem. No fundo, o que havia, porém, era uma rixa por causa mulher: Wilson tinha roubado uma namorada dele.

Noel levava uma complicada vida amorosa, com vários casos sucessivos ou mesmo simultâneos. Mantinha um namoro bem-comportado com Clara. E outro, mais quente, com Fina, a quem levava para passeios noturnos, em locais distantes e desertos, de carro. A mesma coisa passou a fazer com Lindaura.

Em março e abril de 1934, ele participou de uma turnê com o grupo Gente do Morro, liderado pelo flautista Benedito Lacerda, pelo norte do estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo. A excursão não deu lucro. No final, a maioria dos músicos voltou fugida de uma pensão em Vitória, sem pagar a conta. Noel, vivendo um romance com uma moça, ficou por lá. Sua mãe teve de ir buscá-lo, para que voltasse.

Já no Rio, em 23 de junho, numa festa de São João em sua homenagem no Cabaré Apollo, ele conheceu Ceci, que em breve se tornará bailarina e namorada dele. Mais que isso: sua maior paixão e musa.

Em 1934, João Petra de Barros gravou duas pérolas noelinas: "Feitiço da Vila", composta com Vadico, e "Linda Pequena", em parceria com João de Barro. A primeira não demorou para virar um clássico. A segunda só seria lançada um ano depois, sem obter maior repercussão. Apenas em 1937, reintitulada "Pastorinhas" e cantada por Silvio Caldas, ela iria estourar, transformando-se numa das peças mais populares de todos os tempos da música brasileira.

No campo artístico, Noel aprofundava então relações com Marília Baptista (bem-comportada, de classe média) e Aracy de Almeida (boêmia, pobre, do subúrbio). As duas viriam a ser as suas maiores intérpretes.

Em 1934, Noel Rosa faz constantes apresentações em emissoras de rádio e em cinemas. Numa delas, no Cine Grajaú, muito magro, ele desmaia em palco. É hospitalizado. Diagnóstico: tuberculose, na época uma doença difícil de se curar. A família decide que ele vá para uma cidade de clima bom. Noel quer levar Lindaura para cuidar dele. Sua mãe o obriga então a se casar com ela - o que acontece em dezembro. O casal vai para Belo Horizonte. Lá ele não abandona a noite de todo; acaba conhecendo a boemia local.

Tuberculose contida, mas não curada, mais gordo, ele volta em abril de 1935 para o Rio - e para Ceci. Aluga um quarto mobiliado para os dois. É por essa época que o pai de Noel se enforca num quarto da Casa de Saúde da Gávea. Tinha 54 anos e estava internado no hospício havia meses.


Noel vivia deixando a sua mulher, Lindaura, em casa. Saía sem ter hora certa de voltar. Às vezes, reaparecia apenas dias depois. Os dois começaram morando juntos e viveram em muitos lugares - quartos de hotéis e pensões, casas de conhecidos. Em 1934, ainda dividiam um quarto (dividido para dois casais) num sobrado. Depois que se casaram, foram morar num quarto de fundos do humilde chalé dos pais dele. Isso dá uma idéia da pobreza em que viveu Noel.

Uma maratona de recitais ocupava grande parte do tempo do artista. Além disso, Noel trabalhava em quatro estações de rádio. Cantava, contava piadas, participava de desafios - que sempre vencia -, escrevia textos publicitários, atuava até como contra-regra. E criava paródias engraçadíssimas.

À base de paródias de canções populares do período, ele fez, à época, duas "revistas radiofônicas" (ou "óperas bufas cariocas", na expressão de Almirante): "O Barbeiro de Niterói" e "Ladrão de Galinha". Além disso, com o pianista e regente húngaro Arnold Gluckmann, escreveu a opereta "A Noiva do Condutor". Nenhum desses trabalhos foi ao ar. O último teve de esperar meio século para ser conhecido.

Em 1935, Noel acrescentou uma nova série de "standards" à sua obra. Dois foram gravados por ele mesmo, "João Ninguém" e "Conversa de Botequim". Outros três saíram no registro de Aracy de Almeida, que se firmava como intérprete representativa do compositor: "Triste Cuíca", "O X do Problema" e "Palpite Infeliz". Este se constituiu no contra-ataque mortal, definitivo, desferido por Noel em Wilson Batista, na polêmica poético-musical que travaram.

Janeiro de 1936 assistiu à estréia do filme "Alô, Alô, Carnaval", o primeiro musical a utilizar canções de Noel Rosa. Eram duas marchas: uma composta com Hervê Cordovil, "Não Resta a Menor Dúvida", interpretada pelo Bando da Lua; outra, "Pierrot Apaixonado", com Heitor dos Prazeres, cantada pela dupla Joel e Gaúcho. Esta e "Palpite Infeliz" já eram sucesso e seriam destaques no Carnaval seguinte, que teve em Noel o compositor campeão, com mais sete músicas pontuando.

Apesar do sucesso, porém, pouco a pouco o sambista foi mostrando sintomas de desinteresse pela vida, como um crescente descuido com a aparência e com a saúde. Como não abandonava a boemia, as gripes se tornaram frequentes, acompanhadas de febre alta. Também foi se tornando cada vez menos profissional, atrasando-se para os compromissos.

Aquele ano - 1936 - acabou sendo a sua fase de menor produção: não chegaram a vinte as músicas que fez. Parte delas teve novo endereço cinematográfico: o bem-sucedido "Cidade Mulher", filme de Humberto Mauro. De Noel, na trilha ressaltavam "Dama do Cabaré" e a canção-título, ambas na voz de Orlando Silva, mais "Tarzan, o Filho do Alfaiate" (outra parceria com Vadico), com José Vieira.

Por essa época, Lindaura engravidou. Mas acabou perdendo o filho, após cair da goiabeira do quintal da casa da mãe de Noel. Ceci - que já tinha tido um caso com Wilson Batista - estava namorando com Mário Lago.

No Carnaval de 1937, Noel faz sucesso com "Quem Ri Melhor", gravado por ele e Marília Batista. Cada vez mais doente, chega a sair, mas já não brinca. Em abril, passa com a mulher três semanas em Friburgo. Em seguida, alguns dias em Piraí. Volta muito mal; é o fim. No mesmo quarto em que viera ao mundo, 26 anos antes, morre a 4 de maio. Um enterro concorrido acontece em Vila Isabel, ao qual comparece parte significativa do mundo do samba carioca. É grande a repercussão na imprensa: Noel era uma figura popular.

Pouco depois Aracy de Almeida lançava "Último Desejo", e Silvio Caldas, "Pastorinhas". Dois estouros.

De 1937 a 1950, Noel seria pouco gravado. No começo dos anos 50, iniciou-se um revival de sua obra, puxado por Aracy, que fez então muitos shows e três discos cantando-o (o primeiro, com capa de Di Cavalcanti, e todos com arranjos de Radamés Gnatalli). Marília Batista também o regravou (mais tarde faria um álbum duplo com músicas dele). E Almirante criou um programa de rádio de muito sucesso, "No Tempo de Noel Rosa", que durou cinco meses em 1952.

Fontes: Uol Noel Rosa - Personalidades da MPB; MPBNet

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